Programa de Pós-graduação em Direito
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

A função social da propriedade urbana e o IPTU progressivo: a experiência do município de São Paulo

por Rafael da Mota Mendonça*

De acordo com o Ministério das Cidades (2010), o déficit habitacional no Município do RJ é de 220.774 domicílios; no Estado do RJ de 515.067 domicílios; no Brasil chega ao patamar de 6,940 milhões de unidades (85% na área urbana); e na América Latina (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, 2000) de 51 milhões. Em oposição a esses números, o Brasil soma uma marca de 7,906 milhões de imóveis vagos, 80,3% em áreas urbanas (IBGE – 2010) [1].

Esses números demonstram que os municípios brasileiros não realizam um planejamento urbano efetivo, com monitoramento do cumprimento da função social das propriedades urbanas, combatendo a retenção especulativa, para que um número maior de imóveis estivesse disponível para fins de moradia nas cidades.

O plano diretor é um dos instrumentos do planejamento urbano. Os municípios com mais de 20.000 habitantes (art. 182, § 1º, da CRFB/88), assim como aqueles que integram regiões metropolitanas (artigo 41, inc. II, do Estatuto da Cidade), por exemplo, são obrigados a formularem seus planos.

O plano é a Lei Municipal responsável por definir quando a propriedade urbana cumpre a função social, permitindo, inclusive, a aplicação de instrumentos indutores do adequado aproveitamento do solo urbano.

Para a aplicação legítima dos instrumentos, o artigo 182, §4º da Constituição Federal exige uma tríplice regulamentação: previsão em Lei Federal, satisfeita com o advento da Lei nº 10.257 de 2001 (Estatuto da Cidade); delimitação específica no Plano Diretor das áreas sujeitas à aplicação dos instrumentos – especialmente aquelas que onde as condições do meio físico e a disponibilidade de infraestrutura instalada tenham capacidade de intensificar o uso e ocupação do solo urbano e ampliar as atividade econômicas – e, por fim, lei municipal específica que estabeleça as condições e os prazos para o cumprimento das obrigações urbanísticas.

É o que ocorreu, por exemplo, no Município de São Paulo, o qual regulamentou a matéria possibilitando a aplicação dos instrumentos através do Plano Diretor implementado pela Lei Municipal nº 16.050 de 2014 (artigo 91) e a lei específica nº 15.234 de 2010. Nos anos de 2015/2016 a prefeitura de SP notificou proprietários de imóveis para cumprimento da função social, mediante parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, sob pena de aplicar o IPTU progressivo. A municipalidade notificou 1.292 proprietários de imóveis para que outorgassem alguma funcionalidade ao bem. Dos notificados, apenas 94 cumpriram integralmente as exigências; 100 cumpriram parcialmente as exigências; e 1.098 (85%) não cumpriram[2].

O IPTU progressivo no município de SP está disciplinado no Plano Diretor de 2014 e pode ser cobrado se as medidas de parcelamento, edificação ou utilização compulsória não forem cumpridas. De acordo com o plano, podem ser notificados para pagar IPTU Progressivo proprietários de terrenos vazios com mais de 500m2, subutilizados (construção abaixo do permitido) ou imóveis não utilizados (com menos de 60% da ocupação).

Após ser inicialmente notificado, o proprietário tem um ano para indicar como pretende ocupar o imóvel. Diante do descumprimento, é notificado novamente e, após o transcurso do prazo para recurso, caso negado, passa a ser obrigado a pagar o IPTU progressivo.

A progressividade se dá na alíquota, que é aumentada anualmente, até o limite de cinco anos e no percentual máximo de 15%. Depois de cinco anos, na hipótese de o proprietário não outorgar funcionalidade ao bem, o imóvel pode ser desapropriado pela Prefeitura. É a chamada desapropriação-sanção, em prol do cumprimento da função social da propriedade urbana e, de resto, da própria cidade.

* Rafael da Mota Mendonça é advogado, mestre e doutorando em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Professor do curso de Graduação em Direito da PUC-Rio. Professor dos programas de Pós-Graduação Lato Sensu da PUC-Rio, CEPED/UERJ e Universidade Cândido Mendes. Professor de Direito Civil dos cursos de atualização jurídica da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ; Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – FEMPERJ; da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – AMPERJ; e da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – FESUDEPERJ. Membro efetivo do Instituto de Advogados Brasileiros – IAB.

[1] Dados divulgados pelo Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro e pela Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, em 19 de dezembro de 2013. Disponível em http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/noticias-em-destaque/2680-fundacao-joao-pinheiro-e-ministerio-das-cidades-divulgam-os-resultados-do-deficit-habitacional-municipal-no-brasil. Acesso em 10 de dezembro de 2015. A metodologia utilizada considera como integrante do déficit habitacional qualquer domicílio amostrado em que ocorre uma das quatro situações: habitação precária (domicílios improvisados ou rústicos – A carência de infraestrutura urbana foi o componente de inadequação que mais afetou os domicílios urbanos brasileiros. No total, 13 milhões de habitações (26,4%) careciam de pelo menos um item de infraestrutura básica: água, energia elétrica, esgotamento sanitário ou coleta de lixo.), coabitação familiar (soma dos cômodos e das famílias conviventes com intenção de construir um domicílio exclusivo), ônus excessivo de aluguel (superior a 30% da renda familiar) ou adensamento excessivo de moradores em imóveis alugados (mais de três moradores por dormitório)

[2]Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/1098-imoveis-ociosos-em-sp-ignoram-alerta-e-ficam-sujeitos-a-iptu-mais-caro.shtml. Acesso em 10 de agosto de 2019.

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